Esses dois adoram viajar. E é claro que, ao planejar viagens, precisam planejar o que fazer comigo.
Foram muitas tentativas nesses anos todos. A primeira tentativa foi uma creche.
Um casal aqui perto tinha duas cachorras, que passavam o dia na creche e gostavam muito. Desciam do carro na maior animação.
Como eram duas vira-latas, Mamãe entendeu que eu não sofreria qualquer discriminação e, animada, foi conhecer o lugar.
Adorou.
Claro, não era ela que ia ficar ali!
Conversou com o dono, veterinário, olhou as instalações, que incluíam quintal, conferiu a segurança…
Para testar, ela me deixou ali enquanto almoçava num restaurante ao lado, com tia Ilda.
Não conseguiu comer, pois lá no restaurante ouvia meus lamentos.
Mas não teve remédio. Ela e Papai precisavam viajar, para visitar tia Ju, que estava com a família dela, no interior, tratando da saúde.
Na volta, Mamãe foi me pegar e o veterinário, que administrava o lugar, explicou a ela que eu não tinha comido, tomado água ou deitado durante os dois dias que fiquei ali. Caminhava de um lado para outro, contando histórias, em tom lamentoso.
Creche riscada da lista.
Aí, vieram tentativas com pessoas que ficavam com a chave da casa e vinham cuidar de mim. Mamãe achava isso muito insatisfatório, pois considerava que eu ficava muito sozinha.
Tentou uma senhora que ficou quase um mês aqui em casa, mas ficou muito cansada, pois era mais idosa e eu era mais afoita na hora dos passeios.
Depois, veio um amigo, que me levava passear menos vezes do que costumo e não tinha tempo de ficar aqui, me fazendo um pouco de companhia.
Uma vez, foi tia Ilda, que vinha todos os dias cuidar de mim, passear comigo, pois Papai e Mamãe quase cancelaram uma viagem por minha causa.
Tio Wil e tia Marga também tiveram vez nessa história, pois fui levada para a casa deles. Meu tio era muito preocupado, mas moravam numa vila, muito gostosa, e nem todo mundo fechava direito o portão. Logo percebi isso e um diz, zás, saí correndo, gritando; Mamãe! Papai! Estavam longe, viajando. E minha casa ficava na Pompéia, enquanto eu estava na Saúde.
Coração não tem distância. Quer ficar perto e nada mais importa. Eu correria pela cidade toda, procurando meu único de delicioso lar.
Meu tio pegou o carro e saiu pelo bairro. Não tardou a me encontrar, perdida, numa avenida. Nunca tinha atravessado rua sozinha – e estava gelada de medo, entre carros e ônibus.
Ele nunca mais quis ficar comigo, de tanto medo que passou.
Era um tio muito legal!
Só sei que foram muitas as tentativas, o que acho a maior perda de tempo. O problema era de facílima solução, com um pouco de boa vontade. Bastava eles não viajarem. Pronto!
Mas eles insistiram, até que descobriram uma pessoa muito legal. Minha amiga, dona Ana dos Cachorros. É assim mesmo que é conhecida, pois cuida de cachorros quando as famílias estão fora. Fico na casa dela, mas ela me traz para passar algumas horas no meu canto, todos os dias. Diz que é para eu não me entristecer, mas passado o primeiro momento da separação, vou com ela muito alegre e saltitante, nem me lembro que Mamãe foi embora chorando.
Sei que Mamãe quer ligar todos os dias para saber de mim, mesmo quando está no exterior, mas Papai acha que não é necessário. Esse é um fator que causa brigas entre os dois.
Tento entender qual o problema de ela ligar. Dona Ana já atende o celular sabendo que é Papai, falando em nome de Mamãe, e diz: Fala pra dona Vera que a Cacá está ótima.
Fico mesmo ótima com ela e isso, apesar de tranquilizar Mamãe, também a deixa com ciúme, em especial se dona Ana vai me buscar antes de eles viajarem e ela me vê caminhando numa boa, quando não saio com ela nem matando.
Bom, ninguém nunca disse que vida de mãe é boa e perfeita.