Memórias de uma cachorra (quase) bem comportada
Capítulo 14

Quando digo que eles passaram de tutores a Mamãe e Papai, isso não significa que a passagem tenha sido fácil e rápida.
Amor não cai do céu; precisa ser construído. Mamãe sempre diz que mesmo as mulheres que têm seus bebês precisam de um tempo para formar esse vínculo amoroso especial. Sei que ela e Papai demoraram para fazer isso.
Eram muito amigos, sem interesse amoroso, até que um dia descobriram que havia entre eles aquele algo mais.
O interesse podia não ir adiante, morrer de falta de cuidado.
Mas, no caso, os dois sopraram a chama com cuidado, para ela pegar.
E depois, aos poucos colocar lenha, para que a chama nunca apagasse.
Eu também tive de soprar a chama, como muito cuidado, mas acho que não precisava tanto, pois eles já me queriam.
É muito fácil me amar.

E é porque me amam que inventam situações impossíveis.
Já contei algumas, mas tenho as experiências mais traumatizastes por causa de viagens e passeios.
Nem sei se algum psi vai dar conta um dia de me atender.
Além do banho, uma situação horrível ocorreu quando me levaram a um hotel Petfriend na praia e quando me levaram passar o ano novo na casa de uma amiga.
Fiquei horas vendo Mamãe procurar um hotel assim, sem entender muito bem o que ela queria.
Descobri da forma mais difícil, quando chegamos no hotel e ninguém se incomodou com a minha presença, apesar de que os demais cachorros que vi fossem pequenos e delicados.

Senti que as pessoas humanas olhavam para mim assim, meio de lado, como se eu não fosse bem-vinda.
Mas ninguém falou nada.
Os dois arrumaram minha cama, pois tinham levado meu colchão e os panos que uso pra dormir e que têm o cheirinho agradável do meu espaço.
Entrei em pânico. Não ia ficar nem um momento mais ali.
Não precisei dar escândalo. Já era noite e hora de comer.
Fomos em busca de um restaurante, também Petfriend.
Aí eu já sabia que não era coisa boa e me recusei a entrar no cercado de cachorros, ao lado do terraço onde eles iam se sentar.
Pra resumir, Mamãe ficou comigo na praia, brincando, enquanto Papai comprava comida para eles. Foi um piquenique até que agradável.

No retorno ao hotel, ficamos os três na cama, os dois me acariciando e tentando me acalmar, sem sucesso.
Claro que saímos do hotel de madrugada, voltando para casa.
Na festa de fim de ano, fiz uma gracinha.
Sei que não devia, mas não resisti.
Era na casa de uma amiga de Mamãe, tudo lindo e bem decorado.
A cachorra da casa não me recebeu muito bem, o que me deixou muito irritada, pois me lembrou daquele Golden retriever de quando cheguei em São Paulo. Mas a traquinagem não causou problemas, pois ninguém pisou.
Mamãe achou que eu estava com carinha muito santa e ficou procurando que arte eu tinha aprontado, até que viu o presente que deixei no tapete. Ela limpou o cocô, discretamente, abanou a mão para a amiga, pegou-me no colo e saiu.
Papai, não tendo acompanhado os acontecimentos, viu-nos saindo e correu. Só em casa ele soube de tudo – e riu.
Isso tudo foi antes de eu aprender a dizer não.
Só posso dizer que me negar desde o início, embora crie problemas às vezes, é muito melhor do que ter de agir de modo a que a situação não se repita. Por fim, aceitaram que sou uma criatura de hábitos e que não dava muito certo para eles tentarem me desviar. Quem perdia era eles. Acho que, mesmo sendo uma cachorrinha alegre e saltitante, pronta a brincar a qualquer momento (desde que tivesse vontade), nasci com um lado mais caseiro.

Penso que pode ser porque fui tirada do meio em que vivia, sem entender nada.
Depois, fui rejeitada pelo cachorro e sua família, até encontrar Papai e Mamãe.
Ou pode ser porque não gosto mesmo de coisas diferentes.
Mamãe sempre diz que a gente deve experimentar antes de dizer que não gosta.
Então, obedientemente, experimentei e não gostei.
Querem sair, tudo bem.
Fico aqui.


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Regime. Detesto essa palavra, mas Papai diz que preciso, desde que a vet receitou.
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