Quando na passagem para a adolescência, adorava praia.
Meus pais acabavam de comprar, com muito sacrifício, uma quitinete na Praia Grande. Lugar delicioso, apenas um prédio no meio do nada. Praia vazia, mesmo nas férias. À noite, assistir arrastão. De dia, praia e folia com o pessoal da mesma idade.
Uma tarde, minha mãe, meu irmão e eu caminhávamos pela areia. Ali perto, um garoto espancava um burro que não conseguia tirar a carroça afundada na areia. O rosto do garoto estava vermelho do esforço de chicotear e o burro, que já estava quase arriando as pernas dianteiras, sem forças para puxar.
De longe, minha mãe começou a gritar: Pare, menino!
Caminhou na direção dele e tentei segurá-la, pois outros adolescentes estavam na carroça, carregada de pedras, incentivando o comportamento.
Ela se soltou e se dirigiu a ele, brava.
Perguntou de que adiantava matar o animal, se as rodas estavam afundadas. Mandou que os outros dois descessem e ajudassem a livrar as rodas e empurrar.
Ficamos ali até a carroça ser liberada.
É uma pena não conseguirmos tirar fotos das imagens da mente. Tomara que um dia a ciência chegue lá.
Gostaria de compartilhar a imagem dela, cabelos prematuramente brancos, semblante severo, olhando até a carroça se afastar.
Mulher simples, tinha completado apenas o 4o ano primário, trabalhando duro desde os 6 anos de idade, virou -se para mim e disse: Não se pode ver a maldade sem fazer nada. Os filhos de Deus não podem ser maltratados.
Isso me veio à memória quando li sobre o cãozinho espancado até a morte no Carrefour em Osasco.
Pergunto-me o que passa pela cabeça e pelo coração de quem age assim.
São situações que nos confrontam com a crueldade e com a bondade, ambas abrigadas no coração humano.
Uma pergunta talvez seja: como despertar e manter viva a bondade, diante de atos em que também desejamos agir com crueldade contra quem os comete?
O que podem fazer famílias e escolas para a bondade florescer?
Trabalhando com base na garantia dos direitos a todos talvez possamos não despertar a bondade, mas pelo menos ter pessoas que possam interferir diante das manifestações da crueldade.
Com o coração triste, só me resta pedir sua bênção, dona Judith Voltarel Vaccari
Vera Vaccari