Na década de 1980, por meio da organização não governamental em que trabalhava, chamada Rede Mulher, obtive uma bolsa de estudos para um curso de verão no Canadá.
Era sobre estudos de gênero e tinha mulheres de diferentes partes do mundo.
Fiz amizade com duas índias canadenses do grupo Black Foot e algumas africanas.
Fui acolhida com carinho por elas e conversávamos muito.
Choramos muito uma noite, quando as duas índias contaram que, pelas leis de quando eram crianças, foram obrigadas a ir para um colégio interno.
Uma vez ingressadas, não podiam utilizar a própria língua e nem conversar com as irmãs, que estavam em outras salas de aula e dormitórios. Muito menos, claro, era permitido que seguissem seus costumes, como forma de destruir as culturas dos povos originários.
Mais tarde, em decorrência de suas lutas, os povos originários conseguiram recuperar algo de suas culturas e de suas terras.
Lembrei-me disso lendo sobre a descoberta de tantas ossadas de crianças nos colégios internos canadenses para crianças indígenas.
Mas vi também uma cena que, se não dá vida a essas crianças sofridas e nem paga a dívida com os povos originários, pelo menos demonstra algum grau de reação popular diante da barbárie, com a derrubada da estátua do idealizador das escolas indígenas, Egerton Ryerson.
Pessoalmente, eu manteria a estátua, para visitar e discutir com as crianças e jovens o que ocorreu no passado, para que não volte a ocorrer no futuro.
Mas entendo que alguma reação é melhor do que nenhuma.
Comportamento muito diferente do que vivemos no nosso lindo e amado País, em que as autoridades defendem a destruição dos nossos povos originários, incentivando que suas terras sejam invadidas e destruídas por garimpeiros, empresas mineradoras, madeireiros e outros.
Mas, para se instalar, esses invasores retiram ilegalmente a madeira, destruindo de vez a floresta e poluindo os rios amazônicos com mercúrio, um veneno para os seres vivos, inclusive nós, humanos, que às vezes esquecemos que fazemos parte da natureza.
Vimos fotos de crianças de aldeias agredidas por esses invasores, mas não me lembro de indignação digna de nota da sociedade em geral.
Fico chocada ao ver como pessoas (que consideramos seres pensantes) podem defender a destruição pura e simples de outros seres humanos, por viverem de uma forma diferente da nossa, em nome de um progresso que na verdade é pura ilusão, pois é possível unir um verdadeiro progresso com práticas ecológicas e respeitadoras de outros povos.
Está para ser votada uma lei chamada “marco temporal”, que é um atentado aos direitos dos povos originários neste País, e contrária ao que estabelece a nossa Constituição e também declarações internacionais.
Você já leu e se posicionou sobre este tema que tem tanta importância para o nosso futuro e o de nossos descendentes, para que não se envergonhem de nós?
Vera Vaccari
Foto: ESTAR|SER Wesley Claudino