Uma delícia, naquele calor sufocante do verão em Córdoba. Valeriano Martin Casillas segurou-me pelo braço, impedindo-me de entrar. Você tem certeza?, perguntou. Claro, respondi. Lugar lindo e fresco. O que poderia querer mais?
Ainda era cedo e o restaurante acabava de abrir. Todas as mesas à minha disposição. Fiz com que mudassem mesas e cadeiras, até me sentar no lugar ideal.
Finalmente bem instalada, fiz o meu pedido e só aí parei para admirar o local. Ergui os olhos e me vi diante da foto imensa do banderillero exercendo seu trabalho.
Meus olhos encheram-se de lágrimas. Remeti-me à minha primeira viagem à Espanha, recém-casada.
Recebida de braços abertos pela família, tentaram mostrar-me de tudo um pouco. Um dos meus sobrinhos espanhóis ficou dois dias ao telefone, tentando conseguir ingressos para uma corrida de touros muito concorrida.
De touradas, lembrava-me do desenho do Picapau. Tauromaquia, interesse de Hemingway. Ok. Interessante. Touro, toureiro, capavermelha, música, olé…
Passava então uma corrida na televisão. Música, desfile de cavaleiros, bandeiras, toureiros… Lindo!
Começou então o show. De repente, silêncio total. Um toureiro, com uma flecha de ponta longa de um lado e bandeira colorida na outra praticamente se colocou no caminho do touro e, num rápido movimento, enterrou aquela faca na carne viva e pulsante.
Como assim? Ninguém me contou que era assim. E o homem tinha várias bandeiras coloridas nas mãos. Explicaram-me que, se não fosse sangrado, seria impossível matar o touro.
Resumo. Eu em lágrimas, Valeriano me consolando, família desconcertada, sobrinho ofendido, pois tinha conseguido ingressos a preço de viagem aérea.
Então, décadas depois, no restaurante, o fotógrafo capturou o exato momento em que o banderillero erguia o braço armado diante de sua presa.
Já nos serviam os aperitivos. Olhei em volta, até encontrar um espaço em que não veria as fotos. Sentei-me num cantinho, como menina de castigo.
Depois, pensei como é fácil deixar de avaliar as situações como um todo, levando em consideração apenas alguns elementos, como crianças encantadas por fogos de artifício. Vale para todos os aspectos da vida.
A foto é de bandeirinhas do bem. Uma gravura de Volpi. Já pensei em vender a casa e comprar – se o dinheiro der – um quadro dele. A maravilha da arte em toda a simplicidade das bandeirinhas de São João. Desisti da ideia porque entendo que debaixo da ponte não haveria parede para pendurá-lo. Pena.
Vera Vaccari