Acho engraçado quando vejo cães e seus acompanhantes caminhando pelas ruas da Pompeia.
Os cachorreiros todos se conhecem e se cumprimentam.
Não sabem os nomes uns dos outros, mas dos cachorros sabem tudo, até os apelidos e os nomes da mãe e do pai.
Param, fazem carinhos, dão biscoitinhos, perguntam da saúde…
Cacá, nossa cadela de 8 anos, sai pelo menos 3 ou 4 vezes ao dia.
Conhece todas as pessoas com as quais cruza nas ruas do bairro.
Sabe de quais casas se afastar, de quais se aproximar, diante das quais deve latir, para ganhar carinho ou um agrado comestível.
Adora rua.
Se passar alguém estranho na rua e puxar a guia, é capaz de ela segui-lo.
Mas, comigo, recusa-se a sair.
Senta-se e se permite ser arrastada, mas não dá um passo.
Só vai se meu marido for junto.
Já tentei entender, mas não consegui.
Deixei pra lá.
Reconheci – e aceitei – que não estou em boas patas.
Não posso contar com ela.
Mas gosto de fazer o papel de acompanhante — e presto atenção nas interações entre os cachorreiros e seus cães.
Já pensei em anotar os trechos de papos que escuto, alguns muito pessoais e mesmo secretos, mesmo que falados em voz alta e no meio da calçada.
Creio que é um dos atrativos de se ter um cão: poder falar, sem críticas e comentários, dos temas mais profundos.
E é também uma forma de lidar com a incrível solidão que às vezes ataca as pessoas, em especial as que vivem sozinhas nesta época de pandemia e afastamento social.
Ou as que vivem sozinhas, embora dividam casa e até quarto com alguém.
Não é de admirar que os cães façam parte da vida humana há mais de 40 mil anos, segundo se pode ler no Google.
Como cães de estimação ou de trabalho, é surpreendente o afeto que pode uni-los aos humanos.
Acredito que quem maltrata um animal, ou o coloca na rua por ser velho ou doente ou por estar cansado dele, pode muito bem maltratar outro ser indefeso, como uma criança, uma pessoa idosa ou moradora de rua.
Mas penso no afeto, no cuidado que podemos ampliar, para envolver, com nossa solidariedade, todas as pessoas que enfrentam dificuldades neste momento.
Ah, a foto foi tirada em um sítio arqueológico em El Calafate, na Patagônia argentina.
Foi pintado a partir de um original em pedra em uma pequena caverna.
Já sentia os sinais da artrose e nem tentei subir pelas pedras.
Mas, enquanto aguardava, tive tempo de refletir sobre essa relação que pode ser muito amorosa entre humanos e cães, mesmo quando a gente não se sinta em boas patas.