Esse comentário é tão comum nas rodinhas mais íntimas de mulheres envelhescentes, que conversei com Solange Affonso, psicóloga que vem estudando o tema do ronco e como ele afeta a autoestima.
Muitas mulheres sentem-se humilhadas por roncar, pois acreditam que ronco não combina com feminilidade. E humilhação não combina com autoestima. As propagandas de lingerie mostram uma mulher jovem, esguia, com camisola ou pijama sexy.
O objetivo da propaganda é esse mesmo, vender o sonho, não a realidade. Vão falar de beleza, leveza, sensualidade a qualquer custo. Não vão falar de renda que dá coceira e nem de insônia, desconforto, ronco, pra não afastar as consumidoras.
Mas o estereótipo permanece. Homem roncar é comum e aceitável. Mulher, nem sonhar!
Mas o corpo envelhescente não se transforma só por fora. E isso vale para homens e mulheres. Também no interior as coisas vão mudando.
Solange Affonso lembra que é importante descobrir e tratar a causa do ronco, que pode exigir mudança de
— hábitos alimentares. Nesses casos, em geral, a pessoa precisa emagrecer, evitar determinados alimentos e bebidas alcoólicas etc.
— jeito de dormir (ronco ocorre quando dormimos de barriga para cima).
Profissionais da medicina, da fisioterapia, da nutrição, da fonoaudiologia podem contribuir para a melhora da qualidade de sono — e de vida — de mulheres e homens.
Mas há casos que exigem outro tipo de intervenção.
O que parece ronco é na verdade uma outra situação: a pessoa estava dormindo e roncando, mas ocorre como que um fechamento das paredes da laringe, que impede a passagem do ar.
Sufocada, a pessoa busca ar, fazendo um ruído característico.
É o que em geral é chamado de apneia do sono, que pode levar inclusive ao enfarto, devido ao aumento da pressão arterial. O emagrecimento é fundamental, no caso de pessoas com obesidade.
Nesses casos de apneia, além do emagrecimento, outros tratamentos específicos podem ser necessários, como algum tipo de cirurgia, mudança de medicamentos e outros, como o uso de um aparelho chamado cepap.
O CPAP é um tipo de máscara de oxigênio que se coloca ao deitar, usada por homens e mulheres que roncam ou sofrem de apneia do sono.
Embora o uso do cepap seja muito mais comum do que se pensa, muitas mulheres evitam comentar que precisam do aparelho.
E seu uso também pode se tornar uma outra agressão à autoestima, num jogo de “cara eu perco, coroa você ganha”: roncar afeta a autoestima, por ser considerado pouco feminino. Não combina com a propaganda da camisola sexy, caso se separe sensualidade de saúde.
Para quem não dorme sozinha, e o ruído seja pouco, há homens que reclamam.
E, se há espaço na casa, um dos dois vai dormir na sala ou em outro, o que também pode afetar a autoestima da mulher usuária do aparelho.
Esteticamente, é apenas um tipo de máscara ligada a um pequeno aparelho. Mas, ao iniciar um namoro, pode ser difícil para a mulher permitir que o(a) namorado(a) durma em sua casa. Ir à casa dele(dela) levando o aparelho, então, nem sonhar!
Isso tudo vale para a mulher, pois os homens em geral falam do assunto com menos preconceito. E mulheres tendem a aceitar com mais facilidade ficantes, namorados ou maridos que roncam ou usam aparelho.
Essa situação do ronco nos mostra o quanto temos de mudar nossa visão de feminilidade, de beleza, de sensualidade.
A autoestima de quem não respira direito e, portanto, não dorme direito, está afetada pelo mau humor, pelo cansaço, pela sonolência durante o dia…
Então, o importante é assumir. Falar a respeito. Desmistificar o uso do aparelho.
E reconhecer as mudanças trazidas pelo tempo e o que é necessário para a qualidade de vida.
Por isso, mulheres envelhescentes, ronco não é vergonha!
E, se preciso, também ao cepap.
E fim de conversa fiada!
(e-mail da psicóloga Solange Affonso: [email protected])
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