Alguns dos causos assustadores que ouvi na minha infância eram sobre o castigo para quem visse as pernas das cobras. A pessoa morria no mesmo dia.
No litoral, nas férias, apareciam às vezes serpentes, que eram mortas pelos adultos, que não sabiam então que podiam prendê-las em caixas e enviá-las para o Instituto Butantã.
Quando aparecia alguém mostrando a cobra morta, nós, crianças, corríamos esconder a cabeça na cama ou no colo das nossas mães, para não arriscar nem uma olhadinha.
Lembrei disso ao ler que uma artista pernambucana enfrentou mobilização nas redes sociais contra uma escultura de uma vulva gigante.
Por certo, um ato de afirmação da sexualidade feminina.
Incrível uma artista ter de lembrar que as mulheres têm vulva, até mesmo aquelas que passaram por cirurgia de “mudança de sexo”.
Se fosse um pênis, com certeza não haveria surpresa.
No máximo, alguém diria ser uma obra de mau gosto.
Mas, no caso das mulheres, tudo muda de figura.
É como se considerássemos que as mulheres não têm sexo. Ou que ele deve ser escondido a todo custo.
Seriam seres incompletos, imperfeitos, comparados com a perfeição do corpo masculino.
Ou seja, o desejo, o erotismo, a sensualidade da mulher parecem não existir por si mesmos.
Os filósofos gregos da Antiguidade acreditavam que a mulher era um homem invertido. O que faria uma pessoa ter vulva ou pênis dependeria do calor do corpo.
Corpos de sexo virado para dentro eram inferiores àqueles de sexo visível, virado para fora.
Incrível, mas foi só com a Revolução Francesa que essa ideia mudou.
Quer dizer, mudou em alguns aspectos.
O sexo feminino foi reconhecido como existente, mas, claro, em posição inferior ao masculino.
Mulheres que contestaram essa visão foram guilhotinadas e a sexualidade feminina continuou a ser considerada inferior, de segunda classe.
Com tantas lutas de mulheres e homens, parece que algumas mudanças ocorreram.
Hoje, entre tantas mudanças, uma artista atreve-se a denunciar a existência de algo escondido.
Pena que esse tipo de ação seja ainda necessário.
Mas a importância do ato aparece principalmente na manifestação de horror nas redes sociais.